
Após uma fase inicial de intensa produção operística, que ele mesmo chamou de anni di galera, compondo quinze obras em pouco mais de dez anos, Verdi deu início à sua reformulação com Rigoletto, Il Trovatore e La Traviata. Nestas, inverte-se o eixo fundamental da ópera belcantista italiana até então. Normalmente concebida em função da grande ária, a própria cena torna-se o centro da ópera, fruto da procura verdiana por uma veracidade dramática que leva o compositor a encontrar uma nova parola scenica.
A partir da colaboração com o libretista, e também compositor, Arrigo Boito, Verdi concretiza todas as suas aspirações dramático-musicais nas obras-primas finais de sua carreira, Otello (1887) e Falstaff (1893), ambas baseadas em Shakespeare. Deste mesmo período, temos a revisão definitiva de Simon Boccanegra (1880-81), originalmente composta em 1857.
Comparando-se as duas versões, percebe-se claramente a profundidade obtida pelo compositor, especialmente numa inserção totalmente nova, e dramaticamente impressionante, na cena do Conselho que encerra o Ato I.
Simon Boccanegra tem como base de seu libretto, escrito por Francesco Maria Piave (com revisões de Boito) e baseado na obra de Garcia Gutiérrez, uma temática cara a Verdi, a relação pai-filha, presente em várias de suas outras óperas.

Simon Boccanegra tem como base de seu libretto, escrito por Francesco Maria Piave (com revisões de Boito) e baseado na obra de Garcia Gutiérrez, uma temática cara a Verdi, a relação pai-filha, presente em várias de suas outras óperas.
Porém, importante distinção se faz no papel delineado para o protagonista, Boccanegra, confiado a um barítono, e não ao tenor, herói por excelência da ópera romântica. Um dos papéis mais difíceis e exigentes do repertório de barítono, tanto vocalmente quanto cenicamente, Simon Boccanegra tem, nesta produção do MET, gravada em fevereiro de 2010, a performance do grande tenor Placido Domingo, na segunda produção em que interpreta o doge de Veneza. Domingo fez sua estreia no papel na Royal Opera House, Covent Garden, na mesma temporada.
A mestria indiscutível de Domingo se faz presente, especialmente em um personagem que tanto exige do intérprete, com sua ênfase na declamação e no texto. Entretanto, apesar da tessitura mais grave, continuamos a ouvir o Domingo tenor, com a cor e timbre característicos, jamais com as tintas escuras esperadas de um barítono heróico verdiano.
Como Amelia (ou Maria), temos uma bela performance do soprano lirico spinto canadense Adrianne Pieczonka, associada habitualmente a papeis germânicos, em uma presença cênica de graça e sensibilidade. O tenor italiano Marcello Giordani interpreta, com sua classe vocal de sempre, Gabriele Adorno, personagem tantas vezes abraçado por Placido Domingo.
Completam o elenco, em ótimas atuações, o barítono Stephen Gaertner, como o vilão Paolo, e o veterano baixo norte-americano James Morris (o grande Wotan de sua geração, embora aqui sem a mesma solidez vocal), como Jacopo Fiesco. Em um período difícil, por sérios problemas de saúde, o diretor artístico do MET, James Levine, preserva intacta a sua afinidade com o discurso musical de Verdi em uma regência notável.
A produção de Giancarlo del Monaco, tradicionalíssima em cenários e figurinos, é extremamente eficiente, reforçando especialmente atmosfera sombria que perpassa a obra. Esta mesma montagem, que estreou no MET em 1994, foi gravada e lançada em DVD pela DG com o cast inaugural. É um excelente exercício crítico comparar as performances atuais com as de Vladimir Chernov, Kiri Te Kanawa e o próprio Domingo, mas como tenor, interpretando Gabriele.

Das gravações em áudio existentes, a de Claudio Abbado à frente do efetivo orquestral e coral do Teatro alla Scala, Milano, ainda é a referência. Nela, reinam as vozes, à época soberanas (1977), de Piero Capuccilli (em sua maior performance gravada, um Boccanegra único), Mirella Freni, José Carreras, Nicolai Ghiaurov e Jose van Dam.
Imperdível: Placido Domingo interpreta Simon Boccanegra, de Verdi, cena final:
http://bcove.me/w0ig67kp
Dúvidas ou sugestões? Envie seu e-mail para rodolfo.valverde@mobz.com.br
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Rodolfo Valverde
Crítico musical e professor da Faculdade de Música da UFJF (MG), onde ministra disciplinas como História e Apreciação Musicais, História da Ópera e Formas Musicais.
Conferencista, ministra cursos e palestras em festivais de música e centros culturais do país sobre os diversos estilos, compositores e obras do universo musical e operístico.
Colunista de música erudita do Jornal do Brasil durantes os anos de 2008 a 2010.
Conferencista, ministra cursos e palestras em festivais de música e centros culturais do país sobre os diversos estilos, compositores e obras do universo musical e operístico.
Colunista de música erudita do Jornal do Brasil durantes os anos de 2008 a 2010.
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