agosto 26, 2011

COLUNA DO VALVERDE - O crítico que comenta as transmissões LiveMOBZ fala sobre O FESTIVAL DE REEXIBIÇÕES em sua 1ª participação no blog

COMEÇA O FESTIVAL: A FILHA DO REGIMENTO

Marcando o início do Festival de Óperas e Balés, a LiveMobz inaugura um novo canal de informação, e formação, sobre o riquíssimo repertório que será transmitido, ao vivo ou em reapresentações, nas próximas temporadas.



Em outubro, com o balé Esmeralda (dia 9) e a ópera Anna Bolena (dia 15), Bolshoi e MET (Metropolitan Opera House) dão a largada de suas temporadas 2011-2012, e você poderá conferir nos cinemas e aqui, em nosso blog.

Semanalmente, comentarei os diversos aspectos da estrutura dramático-musical da cada obra, sua trajetória histórica, os dados mais relevantes e dicas de apreciação. Neste quesito, uma discografia comparada, em áudio e vídeo, abrirá as portas para o não iniciado e possibilitará uma abordagem mais aprofundada para os que já imergiram neste extraordinário legado artístico ocidental.

Abrindo o blog, farei alguns comentários sobre as cinco óperas e os quatro balés selecionados para o Festival que hoje se inicia, um ou dois títulos por dia.

Ao mesmo tempo em que foram selecionadas pela receptividade do público, tanto aqui no Brasil quanto fora, em especial no próprio MET, quatro das óperas mostram claramente o processo evolutivo (aqui não no sentido progressista de melhoria, mas de desdobramentos) da ópera italiana, cujo nascimento marca a criação do próprio gênero no início do século XVII.

Donizetti, Verdi e Puccini (respectivamente La Fille du Régiment, Simon Boccanegra, Tosca e Madama Butterfly) representam três estágios distintos da lírica italiana no século XIX, da apoteose do bel canto às transformações em drama e música influenciadas pela revolução wagneriana.

Completando o ciclo, o próprio Wagner aparece em um dos seus momentos mais incensados, a segunda parte da sua colossal Tetralogia O Anel do Nibelungo, Die Walküre (A Valquíria).

Gaetano Donizetti (1797-1848), natural de Bergamo, formou, com Gioachino Rossini e Vincenzo Bellini, a trindade do bel canto italiano do início do século XIX. Dos três, foi o mais prolífico (mais de 70 óperas compostas), notabilizando-se por títulos como Lucia di Lammermoor (transmitida pelo MET já em duas ocasiões distintas), L’Elisir d’Amore e Don Pasquale (vista aqui na temporada passada).

Apesar do sucesso de suas óperas cômicas, Donizetti consagrou-se especialmente por seus dramas, que demonstram claramente a absorção do romantismo pelos palcos operísticos italianos. Em seus últimos anos de vida, foi, como tantos outros artistas, para Paris, então o centro cultural da Europa. Em 1840, lá estreou La Fille du Regiment (La Fille du Régiment), sobre libretto em francês de Bayard e Saint-Georges.

Composta para o Opéra-Comique, seguia o estilo das obras encenadas pela companhia, com diálogos falados em vez dos recitativos musicados. O centro musical da ópera, entretanto, recai nas grandes árias virtuosísticas que seguem a tradição belcantista da ária com cabaletta (cantabile – recitativo – cabaletta).

Dentre estas, destaca-se "Ah! mes amis, quel jour de fête!", tour de force de execução dificílima, exigindo do tenor nove Dós agudos praticamente seguidos, veículo ideal para intérpretes como o peruano Juan Diego Flórez, o maior tenore di grazia da atualidade (certamente um dos mais extraordinários de todos os tempos).

Nesta montagem do MET (co-produção de Laurent Pelly para a Royal Opera House, Londres, e para a Wiener Staatsoper), transmitida originalmente em abril de 2008, Flórez tem em Natalie Dessay a partner ideal como Marie, a filha do regimento. O que falei do tenor, aplica-se igualmente à francesa Dessay, soprano coloratura de exceção, que soma à sua voz excepcional um grande talento dramático e uma verve cômica sem igual.

A ópera é revestida de árias que vão da mais singela beleza ao mais pleno virtuosismo. O uso da música em prol da sátira é reforçado pela justaposição que o autor faz entre a sociedade culta, representada pela marquesa, e o ambiente do regimento, caracterizado por uma música de sardônico teor militarista. Exemplo maior é a cena em que a marquesa tenta ensinar a Marie uma antiga canção, enquanto Sulpice ataca com Chacun le fait, a “ária” do regimento.

A cabaletta final de Marie, “Salut à la France”, soa como uma grande homenagem de Donizetti a seu público francês e foi, de fato, alçada ao status de canção patriótica.

Completam o elenco desta deliciosa comédia, acentuada pela hilária montagem de Pelly, o veterano baixo buffo italiano Alessandro Corbelli como Sulpice, Dame Felicity Palmer, grande mezzo-soprano britânica demonstrando toda a sua versatilidade como a Marquesa de Berkenfield, o baixo Donald Maxwell no pequeno papel de Hortensius e a premiada atriz norte-americana Marian Seldes no papel falado da Duquesa de Krakenthorp. A regência idiomática é do italiano Marco Armiliato.

Em áudio, a gravação de referência, realizada em 1967, capta, no apogeu de suas carreiras, Dame Joan Sutherland e Luciano Pavarotti como Marie e Tonio, após as célebres récitas em Covent Garden que catapultaram o tenor italiano para a fama. A regência é de Richard Bonynge (DECCA), marido da australiana Sutherland, uma das vozes mais impressionantes da história, aqui em um de seus momentos de maior engajamento. Vale a pena conferir também a gravação histórica, lançada pela Naxos, com Lily Pons e Raoul Jobin, fruto de um broadcast ao vivo realizado pelo MET em 1940.

A mesma produção do MET, gravada na Royal Opera House com Dessay e Flórez, está disponível pelo selo Virgin Classics. Interessantíssimo fazer a comparação das performances nos dois teatros, em dois anos consecutivos. Um brinde aos nossos ouvidos!

Rodolfo Valverde
Crítico musical e professor da Faculdade de Música da UFJF (MG), onde ministra disciplinas como História e Apreciação Musicais, História da Ópera e Formas Musicais.

Conferencista, ministra cursos e palestras em festivais de música e centros culturais do país sobre os diversos estilos, compositores e obras do universo musical e operístico.
Colunista de música erudita do Jornal do Brasil durantes os anos de 2008 a 2010.


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